O Lixo como Erro de Design

Já sabemos que matéria prima não é lixo, por isso hoje vemos muitas marcas usarem dead stock. Mas será que comprar dead stock é perpetuar a ideia do erro? Será o lixo um erro de design?

As alterações climáticas são na verdade o primeiro grande problema da humanidade. O aquecimento global é um problema de todos. A Alemanha está a gastar biliões de euros para baixar o carbono, os meios de transporte irão mudar radicalmente nos próximos 10 anos.

Em França, sendo a moda o segundo setor mais lucrativo do país, Brune Poirson, a ministra da moda, nos últimos 3 anos, defendeu a adoção de uma economia mais circular, proibindo a incineração (queima) de produtos não vendidos, proibiu o uso de micro-plásticos em produtos de cosméticas; e tornou obrigatórios os filtros nas máquinas de lavar roupa industriais (por causa dos micro-plásticos).

A Europa aparenta querer ser mais eficiente, mostrando-se cada vez mais preocupada com o planeta, e isso reflecte-se igualmente nas marcas. A palavra de ordem é então eficiência. Mas por mais iniciativas que se tomem, qual é o impacto real das nossas decisões?

As marcas estão num momento confuso, porque estão a tomar decisões a acreditarem que são mais sustentáveis. E acabamos por nos deparar com mais confusão e com muito greenwashing (mesmo sem quererem) mas afinal o que é sustentabilidade? O que é a economia circular ?

Escutamos muitas vezes, as decisões das marcas sem entender qual é o critério, qual é a justificação, qual é o impacto real da sua decisão! Comprar produtos “menos maus” não quer dizer que estejamos a comprar bons produtos.

Reparamos que muitas das decisões que as marcas tomam são baseadas na ideia da “minimização” do impacto. Mas será que estamos a resolver o problema na sua raíz, na sua essência?

Vejamos, dead stock significa stock em excesso, sem uso. E quando soube que a Scoop tinha sugerido a um cliente usarem as matérias primas existente, em vez de fazerem novas, a prática foi tão boa, que a marca acabou por implementar esta ideia em mais de 150 fábricas em todo o mundo. Fiquei em êxtase! Mas a verdade é que aproveitar “stock morto”, não significa que as empresas vão deixar de produzir “em excesso” por questões económicas. Fará isto sentido?

É espetacular saber que as marcas estão interessadas na economia circular e dão imensa importância à origem dos materiais… mas a verdade é que a economia circular tem um efeito dominó. E a maioria das marcas está a pensar na economia circular, passando automaticamente para a economia linear que no fim “descarta”.

Ontem estive numa praça de alimentação “verde”, que me entregou um copo de vidro, com uma garrafa de água de plástico. Qual é o sentido? É importante sabermos tomar decisões não só sobre a origem da matéria, bem como as alterações ao longo da sua vida e como a vamos entregar em fim de vida do produto.

E isto leva-me a pensar nas coisas que dizemos: “É preferível algodão reciclado, do que algodão normal.” Sabiam que o algodão reciclado atualmente vem de outro lado do mundo? o impacto do seu transporte é enorme e só poderá ser reciclado 2 vezes, porque depois perde elasticidade e acaba no aterro. Muitas marcas usam algodão orgânico (por não usar pesticidas), mas acabam por tingir os produtos com químicos. Será isto um contra-senso?

“É preferível levar o nosso saco de tecido do que comprar o saco de plástico do supermercado”. No entanto a redução de sacos de plástico nos supermercados, que acabava por ser reutilizado como sacos de lixo em casa está a levar as pessoas a importar mais sacos de plástico. Ou seja efeito indireto é pior e por isso temos de pensar nos efeitos secundários. 

É necessário uma nova abordagem à ideia de produto e matéria. Com a abordagem C2C nós podemos transformar toda a indústria numa visão mais positiva, olhando para o produto ou material de outra forma “sem fim” ou descarte. Ele auto alimenta-se, mas para isso temos de desenhar o produto desde o início, desde a sua extração até ao “túmulo”.

Com este pensamento, a ideia do lixo é visto como um erro. Porque numa economia circular, o fim é tão importante como o início. Porque fazer produtos para serem reciclados, é sinal que o produto está “mal” pensado, porque reciclar é o último R a considerar.

Mais do que aproveitar o dead stock, é importante repensar, porque motivo existe stock? Como o podemos “eliminar”? Falo sobre isto no artigo sobre a morte do stock. Lembram-se?

A grande maioria das estratégias de sustentabilidade tem uma abordagem quantitativa em vez de qualitativa: focado na redução, na compensação, é sempre uma abordagem “quantitativa” focado na ideia de eficiência. Mas esta abordagem tem problemas porque na verdade a ideia de chegar ao impacto “zero” não é realista e a redução de danos não questiona o problema da economia linear. Temos por isso de continuar a extrair e a criar impacto para o ambiente, pensando em “minimar” em vez de resolver. Ou seja vamos “descartar” mas vamos descartar “menos”… Numa verdadeira economia circular, os materiais devem ser pensados como “nutrientes”, onde as ovelhas alimentam-se da roupa que fabricam.

E tudo começa na forma como pensamos e desenhamos os materiais. Tudo começa no design.

Joana

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