Vender Performance, não produtos!
Segundo a Textile Exchange menos de 1% do mercado mundial de fibras foi resultado da reciclagem de têxteis de pré e pós consumo em 2021. Para piorar as coisas o volume de fibras de poliéster aumentou de 57 milhões de toneladas em 2020 para 61 milhões de toneladas em 2021. As fibras sintéticas representam 54% da produção total de fibras no mercado em 2021.
Segundo Miguel Silva, responsável da Sasia, o negócio da reciclagem está em crescimento. No entanto o grande volume de negócios está centrado em produtos para a construção civil e no mercado do isolamento (térmico e acústico). O negócio cresce, mas em materiais de baixo valor, como o geotextil.
Para desenvolver um fio reciclado de qualidade temos de entregar qualidade. Na última conferência da ModaPortugal, Clara Louro da Zeitreel afirmou: “O grande desafio é o sorting”. Na verdade estamos a reciclar produtos de muito baixa qualidade, porque temos um grave problema na forma como se olha a matéria prima e se faz a triagem.
Por esse motivo o artigo de hoje é sobre os desafios da Circularidade e em especial da Triagem.
Vamos começar pelo principio, 70% da legislação da União Europeia é baseada no sistema Cradle to Cradle (C2C). Segundo Michael Braungart e William Mcdonough, fundadores da teoria C2C, a maioria dos cidadãos estão a usar mal o termo “Economia Circular”. Porque partem de princípios antigos, optimizando modelos que estão errados.
O que é uma economia circular?
Na economia circular o crescimento económico está relacionado com o bem-estar humano através de um consumo crescente de novos recursos.
Os Materiais circulam no máximo do seu valor, tanto do ciclo técnico, como no ciclo biológico
Os Sistema industriais estão integrados, são restaurativos e regenerativos.
Os resíduos são vistos como recursos.
A maioria dos meus clientes, diz sempre que é “sustentável” porque tem um produto duradouro. No entanto, o seu modelo de negócio assenta num modelo linear. Ou seja, é pensado para produzir, usar e descartar.
A ideia não é fazer um produto para os próximos 100 anos, a ideia é pegar num recurso e colocá-lo numa camisola, que depois poderá ser uma peça de escritório, e depois poderá ser uma peça automóvel e assim sucessivamente.
Como referido acima, os materiais devem circular o máximo de tempo possível no seu máximo valor. Ou seja, estamos a falar de ESPAÇO. A economia circular é sobre durabilidade e sobre definir PERIODOS de uso. Por isso é urgente definir novos modelos de negócio, em que o foco não é a venda por si, mas a performance desse produto a longo prazo.
No modelo circular temos de falar de matérias primas, de reciclagem, mas também de novos modelos de negócio. Ou seja, o que adiante uma marca comprar / investir numa matéria prima de alta performance se ela é pensada para ser lixo 5 anos depois?
Vamos falar sobre os copos de café?
Costumo começar as consultorias com o copo de café! Porque todas as empresas, mudaram do plástico para o papel. O copo de papel para além de conter plástico, se fosse totalmente de papel não teria utilidade, porque papel contaminado não pode ser reciclado! Mais uma vez, não é a matéria prima, é a sua performance que conta. Estamos a tirar recursos da natureza e a criar produtos programados para a obsolescência. Lembram-se deste artigo?
Vender “performance”.
Michael Braungart afirma ter demorado 6 anos a convencer a Philips de que ninguém precisa da lâmpadas de LED. O cliente precisa é de “performance de luz”. Mostrando que economizariam 40% dos custos para todos se vendesse só o serviço, a performance, ao invés de vender uma lâmpada.
“O conceito Pay Per Lux é um modelo de negócios completamente novo que permite que as organizações aproveitem a iluminação LED e que sejam capazes de minimizar os seus custos de energia no futuro, sem grandes investimentos de capital”.
Parem de Vender produtos!
Mais do que vender ROUPA temos de vender serviços. O nosso serviço é que vai definir a matéria prima a escolher. Porque há certos circuitos que não estão optimizados.
O desafio da TRIAGEM!
Para fazermos circular os produtos no máximo de tempo possível no seu máximo valor, temos de falar sobre TRIAGEM! Por isso fiz um pequeno esquema para entenderem a cadeia de valor moda, desde a matéria prima à reciclagem e ao design.
Não é um tema novo por aqui, lembram-se do artigo Valérius 360? mas é um tema complexo que deve ser falado porque os custos são elevadíssimos!
O João Valério da Recutex (outra empresa de reciclagem têxtil) afirmou que apesar de já existir sistema de triagem automatizada como a fibersort, a triagem manual é inevitável. “Não posso correr o risco de um fecho entrar na máquina, os prejuízos seriam incalculáveis”.
Antes de mais julgo que deveriamos estar a discutir os novos modelos de negócio da indústria, porque o atual modelo é obsoleto. No entanto, aos dias de hoje, se a triagem é uma questão, para baixar os custos da operação humana, no volume monstruoso que é o resíduo têxtil, temos de encontrar os pontos mais criticos.
Onde devemos fazer triagem para uma maior valorização do resíduo = recurso?
Na Confeção, na boca da máquina de corte (separando a matéria prima por qualidade e cor). Não interessa se temos um contentor de 5 toneladas, se existir contaminação de papel e plástico. Esse resíduo no final só poderá ser enchimento ou irá para incineração. É a pior valorização que se poderá dar a um produto. Nunca se esqueçam, matéria prima, não é resíduo, é recurso.
No sistema Take Back em loja - em vez de ser um caixote do lixo sem qualquer controlo, deveremos passar a ter uma figura humana, como faz a Salsa. O funcionário é que irá fazer a triagem correta e entender se é um produto com valor.
No centro de triagem manual ou mecânico - aqui passamos a ter um problema. Se as autarquias ou outras entidades começarem a ter este tipo de mecanismo, elas terão de fazer render o seu investimento. Tal como a incineração a triagem automizada pode atingir milhões de euros em investimento. Invertendo a ideia inicial. O objetivo nunca pode ser “tirar partido económico” de um modelo que está errado. O objetivo terá sempre de combater a ideia de que matéria prima não é lixo. O Design em todo o processo será fundamental.
No reciclador das matérias primas - tal como vimos na Valérius 360, apesar de já existir um critério para aceitar resíduo têxtil, existe sempre contaminação seja de papel, seja de plástico. Existem vários operadores que limpam à mão as matérias primas para as introduzir no sistema tentando tirar o maior partido da matéria. O objectivo é sempre o mesmo. Manter o produto o máximo de tempo, no seu máximo valor.
Ao identificar estes 4 passos da triagem (certamente há mais), tenho como objetivo mostrar que podemos diluir os custos da operação na cadeia de valor. No entanto é fundamental mudarmos o mindset. O Resíduo é um Recurso valioso.
A moda do WASTE TO ENERGY! :(
Em Portugal ainda é permitido queimas / incinerar vestuário bom, só com o argumento de que não pode entrar em circuitos paralelos (é comum em marcas de luxo). A verdade é que queimar produto bom, é queimar recursos da natureza. Já existe uma lei em França que proíbe este tipo de práticas.
Muitas vezes o argumento da incineração é a “valorização” energética. No entanto, segundo Michael Braungart quando queimamos um produto, estamos a perder 95% da energia que foi necessária para a produzir. A incineração é uma “máquina” de fazer resíduo, porque ao investir na tecnologia, somos obrigados a rentabilizá-la.
Na triagem, o objetivo nunca vai poder ser "criar mais resíduo" tal como acontece com a incineração. Mas sim baixar o consumo e rentabilizar o que já está no mercado.
Mais do que triagem, a indústria da moda tem de entender que tudo começa no DESIGN DO PRODUTO, temos de evitar produzir resíduo.
Poderão rever os artigos:
Outra alteração deverá acontecer no MODELO DE NEGÓCIO. As marcas têm de desenhar os produtos de forma diferente e integrá-los em sistemas mobilizadores, mais do que produto, terão de vender um serviço. Já podem espreitar o case study PlayUp.
Boas Reflexões
Joana