Valérius 360

No Âmbito do programa “Progressive sustainability in Fashion Design” promovido pela ESAD, tive a oportunidade de visitar a Valérius 360. Desafio-vos a fazer uma visita guiada ao processo de reciclagem têxtil.

Tenho tido o privilégio de colaborar com a ESAD no curso de design de moda desde 2020. Fico feliz por ver um esforço sério em aumentar a conexão entre a Escola e a Indústria através de visitas de estudo, seminários ou aulas de curta duração. 

Na área da sustentabilidade entender o ciclo de vida de um produto e a sua cadeia de valor moda é fundamental. No curso de moda, os alunos têm várias disciplinas que considero fundamentais: Laboratórios de Materiais (onde fazem uma introdução aos têxteis, desde a classificação dos diferentes tipos de fibras, à noção de estrutura têxtil.); a disciplina de Projeto, (onde aprendem sobre estratégias de design circular) e Marketing de Moda e Publicidade (onde aprendem sobre novos modelos de negócio e comunicação sustentável).

A sustentabilidade é transversal ao curso e foi no âmbito desta visão alargada que integrei o programa “Progressive Sustainability in Fashion Design” tendo tido a oportunidade de visitar a Valérius 360.

A Visita à Valérius 360 foi especial, porque pela primeira vez alguns alunos tiveram a oportunidade de ver uma empresa que valoriza o resíduo através da reciclagem.

Como sabem, menos de 1% das roupas são recicladas em todo o mundo e é urgente mudarmos este paradigma. A Valérius 360 acredita que a reciclagem é a forma mais rápida de aumentar a sustentabilidade na produção de moda. 

Convido-vos no artigo de hoje, a fazerem uma visita guiada comigo  :)

A visita começou no showroom, onde tivemos a oportunidade de tocar em vários materiais e perceber um pouco mais sobre alguns processos. Quando vemos peças de roupa com uma etiqueta “Algodão Reciclado”, significa que parte daquele algodão é reciclado e outra parte é algodão virgem. Será difícil encontrar produtos 100% reciclados, uma vez que o comprimento do fio fica condicionado, criando uma matéria prima mais fraca. É por isso necessário em quase todos os produtos reciclados, incorporar matéria prima virgem.

Resíduo têxtil em contraste com o campo envolvente

Resíduo catalogado por cor, matéria prima e cliente

Depois de uma breve apresentação fomos à área externa do armazém onde vimos toneladas de resíduo têxtil. Foi avassalador sentir o contraste do resíduo têxtil com os campos verdejantes envolventes. Mas confesso-vos que o que mais me surpreendeu foi ver o RESÍDUO CATALOGADO! Sim, catalogado.

Esta visita guiada será longa, vamos por partes!

A Importância da Medição.

Quando comecei a separar o lixo em casa e visualizei o volume do papel, plástico ou vidro, percebi a importância de separar o resíduo e por consequência “medir” o meu impacto. Traz claramente mais consciência no momento de consumir. Então agora tentem levar este exemplo para a indústria da moda. Quando pergunto aos meus clientes “Quanto resíduo originou a sua coleção? Nenhum deles me soube responder, mas sei que essa pergunta os incomodou. E a maioria respondeu que já tem uma máquina de corte inteligente. O que significa isto? 

“O Lixo é um erro de design”

No sector da moda, é comum ver nas confecções máquinas de corte LECTRA. Estas máquinas incorporam tecnologia que permite calcular com maior eficiência e optimização o corte das peças, aproveitando o máximo da matéria-prima.

Apesar dos esforços tecnológicos, a verdade é que “em roupa de adulto o desperdício ronda os 25% em média” afirma Eugénia Teixeira da Valérius Hub. Ou seja, por cada lance de corte, 25% é considerado LIXO aka RESÍDUO. 

Por norma este resíduo têxtil é entregue a empresas de resíduo têxtil de forma indiferenciada. Acabando muitas vezes por ir parar à incineração ou aterro.

25% de resíduo é muito! Imaginem a quantidade de recursos naturais, água, processos, pessoas e dinheiro que estamos a deitar ao lixo todos os dias.

O Resíduo como oportunidade

A Valérius explicou que devemos olhar para o resíduo como uma oportunidade. Estes 25% de matéria prima perdida tem valor e pode voltar a entrar no circuito, mas para isso precisamos de criar novos critérios. Um deles é olhar para o resíduo de forma diferenciada.

O Problema: a contaminação

Atualmente as mesas de corte para além de matéria prima têxtil, também incorporam papel. Este acaba por “contaminar” o resíduo têxtil, inviabilizando a reciclagem. Se está contaminado não pode ser reciclado, então acaba por ir para enchimento automóvel ou sector da construção civil.

A Solução: aprender a descartar com critério

O resíduo não pode ser todo olhado da mesma forma. Por isso a Valérius propõe olharmos o resíduo com um novo olhar a fim de voltar a transformar em matéria prima de valor.

  1. Primeiro temos de MEDIR, para aumentar a consciência e optimizar a mesa de corte e os moldes.

  2. Segundo após o corte, temos de REMOVER a contaminação (papel ou plástico).

  3. Terceiro temos de SEPARAR o resíduo de forma diferenciada, por tipo de matéria prima e por cor.

Porquê?

Porque o sucesso da reciclagem depende do sucesso da triagem e o resultado do fio reciclado depende diretamente da cor e da qualidade escolhida. 

Após a triagem, o resíduo é triturado e misturado e após vários processos termina num fio GRS (Global Recycled Standard). É por isso fundamental entender todo o ciclo de vida de um produto. Sem questionarmos o fim, será impossível tomar decisões para o início. 

Tenho insistido falar sobre a importância do DESIGN. Só o design nos poderá salvar. Se não desenharmos seguindo critérios da circularidade, será impossível valorizar produtos de pós-consumo no futuro. Será urgente começar a desenhar mono-produtos e desenhar para desintegrar. Poderão aprofundar estes temas no Guia Prático de Estratégias de Design Circular e no Guia Prático de Matérias Primas Sustentáveis .

As Cores do Futuro não têm tingimento.

Na Valérius 360 tivemos a oportunidade de ver cores que já resultam da combinação de diferentes resíduos. Aqui a intenção é o resíduo ZERO! O resíduo do resíduo é também uma oportunidade. Vimos de perto uma matéria prima com tecnologia RECYCROM. A cor resulta de resíduos têxteis de pré-consumo, que são transformados em pó. No momento do tingimento este pó substituiu um pigmento convencional, permitindo um tingimento mais sustentável.

Recycrom

A cor resultante da combinação de matérias

A incorporação de matéria prima reciclada passará a ser obrigatória no futuro. É por isso urgente ESCALAR ESCALAR ESCALAR! Só em volume conseguiremos fazer a diferença.

O segredo está na triagem prévia feita pela empresa, tal como acontece em casa. E infelizmente o custo é elevado.

A verdade é só uma, só conseguiremos a mudança, quando consumidores entendermos que matéria prima não é lixo e que o lixo poderá ser bonito.

Um agradecimento especial à ESAD, Anita, Joana e Dolores por esta oportunidade incrível. 

Joana

Anterior
Anterior

O Lixo é Vestível?

Próximo
Próximo

Será o Lixo um Novo Luxo?