Será o Lixo um Novo Luxo?
A 4ª edição do Meet The Maker que decorreu no passado sábado na fábrica Procalçado trouxe a debate: O Fim do Lixo - “Será o Lixo o Novo Luxo?”. A moderação ficou à minha responsabilidade e os meus convidados foram escolhidos a dedo. No painel tivemos Ana Tavares do Citeve, José Pinto fundador da Lemon Jelly e Alexandre Nardin da Nowa Jeans.
A indústria da moda apresenta vários problemas, entre os quais: o esgotamento de matéria prima-virgem, a toxicidade dos materiais, os microplásticos e ainda o resíduo têxtil!
Segundo o Waste Age, anualmente geramos por pessoa cerca de 26 quilos de resíduo, e 87% do vestuário acaba em aterros sanitários ou em incineração. A Fundação Ellen Macarthur salienta que menos de 1% das roupas são recicladas e 2% são perdidas no processo.
É comum ver as marcas de moda preocupadas com a escolha das matérias-primas, mas poucas se questionam relativamente ao fim do produto, ou seja, “O que é que acontece no fim?”.
Depois de analisarmos estes números é certo que temos de olhar com urgência para o “FIM do FIM”. Este era na verdade o tema da 4ª edição, mas confesso-vos que ninguém entendeu! Rapidamente percebi que o tema deveria ser “O FIM DO LIXO”. Palavra essa também errada, mas provocatória. LIXO é claramente uma palavra pouco atraente e os meus convidados reforçaram isso mesmo nas partilhas que fizeram.
Foi na verdade o “resíduo” que deu as boas vindas aos meus convidados! Ele estava presente nos bancos improvisados com solas de sapato e nas ofertas com um carimbo personalizado. :)
Já no Armazém 1 da fábrica Procalçado lancei uma provocação para iniciar o debate: “Imaginemos que os solos se esgotam e que somos proibidos de plantar algodão? Como é que as marcas vão fazer?“
Se as marcas projetassem o limite, claramente viram-se obrigadas a criar novos modelos de negócio como o da segunda mão e teriam de olhar para o resíduo com outros olhos.
A Ana Tavares, explicou que devemos olhar para o resíduo como uma oportunidade no futuro e salientou o novo Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 12 de dezembro que aprova o regime geral da gestão de resíduos, indicando que a partir de 1 de janeiro de 2025, a recolha seletiva de têxteis passará a ser obrigatória em todos os países da União Europeia.
Esta mudança será visível daqui a 2 anos. Na rua passaremos a ter um novo contentor de resíduo têxtil ao lado do contentor do plástico, do papel e do vidro. Atenção, não confundir com o contentor das doações!
Segundo nos indicou Ana Tavares, a coordenadora da Agenda Estratégica para a Sustentabilidade e Economia Circular no CITEVE, os mecanismos para montar esta operação ainda estão a ser definidos. E muito provavelmente no início os resíduos têxteis serão incinerados ou acabarão em aterro. Só a longo prazo é que talvez tenhamos mais estruturas para fazer a triagem do vestuário e mais tarde reciclar. Salientou-se ainda que a Europa não tem empresas suficientes para reciclar resíduo. Serão necessárias no futuro 250 empresas na Europa. Já em Portugal não chegam a 10 o número de empresas capazes para transformar resíduo em novo fio, ao dia de hoje.
Por outro lado, na perspectiva do Alexandre Nardin, as leis da UE serão de difícil cumprimento pois ainda não temos um número suficiente de indústrias capacitadas para absorver e transformar o enorme volume de resíduos têxteis gerados nos países membros. Na verdade, o fundador da NOWA falou da diferença entre eficácia e efetividade: “Ser sustentável não é reduzir 1% da energia”, para Alexandre ser sustentável é repensar o modelo de negócio da moda, que tem muitas falhas e ótimas oportunidades de melhora em todo o processo.
Como marca sente que a optimização de processos é que fará a diferença.
A NOWA surgiu dentro de uma indústria de Denim (Made in Brasil), após a empresa perceber que ao redor de 20% de todo o denim que passa pelas mesas de corte na indústria viram resíduos, sob a forma de pequenos retalhos. O volume de resíduos era tão grande que a fábrica procurou uma solução que permite transformar os pequenos retalhos de pré-consumo novamente em fio. Quando apresentaram esta solução aos consumidores, a receptividade foi má. Naquele momento era um produto mais caro, com menos variedade e menos “vestível". Foi aí que surgiu a NOWA Jeans, um acrónimo de “No Waste”, com a proposta de produzir um denim verdadeiramente sustentável e, ao mesmo tempo competitivo.
Alexandre acredita que as marcas devem incorporar estratégias de design circular (consultem o meu guia de Estratégias de Design Circular) e fazer mudanças operacionais no negócio a fim de otimizar e reduzir o resíduo.
Salientou ainda a importância de redesenhar os “moldes” e o “Size Guide” das marcas, com o objectivo de alcançar uma padronização internacional das medidas relativas a cada tamanho e também das suas nomenclaturas. Isso permitirá facilitar ao consumidor a escolha correta do tamanho na compra online e evitar um enorme volume de devoluções que atualmente geram desnecessariamente tanto desperdício e poluição, pela simples escolha errada do tamanho.
José Pinto, fundador da Lemon Jelly salientou que a marca já incorpora design circular, com uso de mono-material, mas que a receptividade à ideia de “calçar” resíduo não agradou o cliente no início. Ainda existem barreiras: “por muito fortes que tivéssemos no conceito, o design não convenceu os clientes”. Claramente só o DESIGN e a COMUNICAÇÃO poderão tornar a moda circular mais atrativa. Ana Magalhães, diretora criativa da Lemon Jelly acrescentou ainda que a incorporação de material reciclado agora é transversal a todos os modelos da coleção que tenham componentes de cor preta, sendo a cor “mais sustentável”. Poderão saber mais aqui.
Falamos ainda sobre o desafio da Lemon Jelly implementar o sistema de “Take Back” no retalho, mas a receptividade foi baixa. Infelizmente o resíduo ainda cria muitas barreiras. José Pinto salientou ainda, que os clientes da Procalçado só há um ano para cá é que começaram a questionar sobre o resíduo das produções e a mais valia da borracha é a sua capacidade de se transformar novamente em uma matéria prima de valor.
No final tivemos ainda a oportunidade de visitar cada processo da Procalçado e conhecer de perto o sistema de economia circular, em que todo o RESÍDUO é um RECURSO.
A forma como a Procalçado nos abriu as portas, mostra como a TRANSPARÊNCIA pode ser uma mais valia. Ao longo do Meet The Maker reforcei que mais do que combate ao desperdício, devemos combater a transparência dos processos e da cadeia de valor moda. Só ela traz consciência, só ela traz mudança efetiva. Os passaportes digitais de produto, serão obrigatórios já em 2025 na União Europeia e eles poderão ajudar o consumidor final a tomar decisões. No entanto, ficou a dúvida se a “transparência” do passaporte será como os eletrodomésticos, classificados com A++ ou como os rótulos da coca-cola, que dizem muito, mas muito pouco para o consumidor final, que não consegue interpretar. Numa coisa acredito, as LEIS vão acelerar tudo isto!
Um agradecimento especial ao nosso Anfitrião José Pinto, que aceitou o desafio desde o primeiro dia, à Andreia, ao Francisco e ao Pedro por todo o apoio. À Ana Tavares que é sempre uma inspiração “realista” e ao Alexandre por me dar sempre a volta à cabeça.
Um agradecimento à minha equipa, Rita, Mafalda, Márcia e Eliana pelo apoio Non Stop. E a todos os Makers que se juntaram a mais este desafio. Vim de coração cheio! :)
Obrigada
Joana