A sustentabilidade do calçado!

Se não fosse consultora de marcas de moda, adoraria trabalhar na área de tendências. Viajar pelo mundo, conhecer outras culturas e identificar novos padrões de consumo. Sempre achei que antecipar o que aí vem, era uma forma de ajudar o outro a preparar o depois. Por outro lado, percebi que o meu Fashion Makers é todos os dias “o mundo” que gostaria de descobrir, e que me possibilita olhar para a moda de outra forma. Mais do que isso, ele cataliza conhecimento entre 3 sectores: têxtil, ourivesaria e calçado, permitindo-me (re)pensar a moda hoje, amanhã e no futuro.

Confesso que estou cansada das minhas palavras. Tropecei na sustentabilidade e em 3 meses parece que não consigo evitar o tema. Depois de ter promovido na 2ª edição do Meet The Maker o tema da sustentabilidade Têxtil, fui convidada para moderar o painel “Sustentabilidade – fechar o ciclo” no Evento LEGACY promovido pela Associação da Ourivesaria — AORP e hoje estive numa mesa redonda com os Industriais do Calçado, com o tema a “Economia Circular ou Sustentabilidade no calçado”, promovido pelo Centro Tecnológico do Calçado — CTCP.

Apesar de ter sido o último, não quer dizer que o sector do calçado esteja menos atento. Simplesmente a dinâmica de cada área é diferente. Claramente o mercado internacional força os industriais a caminharem para a certificação e para práticas mais responsáveis.

Comecei a palestra com esta pergunta: A sustentabilidade é uma tendência? Parece uma resposta óbvia, mas a resposta é NÃO! A sustentabilidade é inevitável, não há outro caminho. Infelizmente não há plano B. Se mantivermos este excesso de consumo, não há recursos no planeta. Consumo e sustentabilidade na mesma frase não é uma contradição ?

É certo que a sustentabilidade económica também está a fazer mexer os industriais e ainda bem! E depois de ter ido falar com todos, claramente, o sector têxtil é o mais avançado no tema.

Muitos industriais dizem-se com dificuldade em explicar às equipas comerciais, de design e até aos clientes o que é a sustentabilidade. E hoje tentamos esclarecer de uma forma simples e pragmática:


Sustentabilidade é encontrar um equilíbrio entre a dimensão económica, social e ambiental.


É um trajeto lento, mas inevitável e até para os mais céticos, o ideal mesmo é começar.

Neste processo há muitas (in)verdades, e temo uma mudança abrupta por parte das marcas. Por isso, nos últimos dias, tenho falado dos R(s) da sustentabilidade. Não vale apena mentir, vamos dar os primeiros passos com cautela e com transparência.

Descobri que no processo para a sustentabilidade, o momento critico é a palavra em si, devemos, por isso, substituir a palavra Sustentabilidade por Responsabilidade. Os empresários reforçaram a importância das boas práticas para promover a mudança. “os meus colaboradores estão muito entusiasmados com a mudança. Todos querem trabalhar para um bem comum.”. Ora, se todos formos responsáveis diariamente, em casa, no trabalho e em todas as tarefas do nosso dia a dia, iremos caminhar para um mundo melhor.

Se o primeiro R chama-se (R)esponsabilidade, o segundo R é (R)ecusar o consumo. A maior sustentabilidade é reduzir o consumo excessivo e desnecessário. Não existem marcas 100% sustentáveis, é impossível, a maior sustentabilidade é andarmos nus, descalços, sem cremes e sem comer. Humanamente impossível! Por isso, não promovam a desinformação.

Uma ideia hoje reforçada, é que “As Matérias Primas não são lixo”. Vamos valorizar as matérias-primas. O oceano está cheio de matérias primas valiosas (4 biliões de plástico) e como todas as industrias produzem “desperdício” devemos olhar para tudo isto com mais (R)espeito para a natureza. É aqui que começa o (Re)pensar a moda. Vamos ter por isso de:

  • Re(pensar) os negócios e o propósito dos novos modelos de negócio, como é o caso da VEJA.

  • Re(desenhar) os produtos. A sustentabilidade começa na forma como pensamos o produto. Como é que são os seus componentes, como podemos voltar a devolver ao planeta. Promover menos consumo é promover a redução de stock. E falamos sobre o “Make To Order” ou “Pre-Order”, produzir só o que o cliente quer comprar, como faz a UNDANDY ou reforçar o stock do que se está a consumir mais.

  • Rent (alugar), sem mentiras, alugar é um passo gigante para o “stock parado”. Não precisamos de o vender ao desbarato. Podemos ativar novos serviços de marca, vejam o caso do Rent the Look da By Malene Birger.

  • Reparar, voltemos ao velho sapateiro. Voltemos a olhar para os remendos da Levis. Sabiam que o maior impacto de sustentabilidade está na forma como cuidamos das peças em casa? Sim, cuidar, é meio caminho andado para promover uma atitude mais responsável. Vejam o caso da Patagonia que inclui isso no seu serviço. “Pense duas vezes antes de deitar ao lixo”.

Apesar de ter reunido com empresários com boas práticas, com Cálculos de pegada ecológica, certificações ambientais, ISO 14001, hoje centramo-nos nas dificuldades dos 3 (R)s.

  • Reciclar

  • Recolher

  • Re-Usar

O calçado é feito com inúmeros componentes, componentes esses que necessitam de ser mais amigos do ambiente. No entanto, se temos de atuar de imediato, há muitas ações que já podem ser implementadas hoje e o grande problema, coloca-se no processo final do ciclo (a forma como devolvemos a matéria prima ao planeta). Para um ciclo perfeito, podemos usar as matérias primas atuais, e para além de não existir “Recolha”, quem se propõe a recolher, quer receber os materiais individualizados. Falou-se por isso na necessidade de criar um centro de recolha conjunta. Centro esse que separa todos os materiais para posteriormente reciclar. Um sapato agrega vários componentes que têm plástico, tecido, cortiça,… inúmeros materiais difíceis de desagregar e não existe nenhuma entidade que faça isso hoje em dia, por isso atualmente estes componentes vão para um aterro. Mas, matéria prima, não é lixo! Por isso é necessário encontrar uma solução conjunta.

Há quem se chegue à frente e diga, “Se não existe, vamos fazer nós”, mas “Não consigo reciclar, materiais que não conheço profundamente”, é necessário obter mais conhecimento sobre as matérias primas de todos os componentes, desde as palmilhas, solas, materiais, colas. E o CTCP indicou o HIGG. Esta ONG permite perceber o impacto de cada matéria prima.

Um outro assunto muito interessante, foi o conceito Re-Use. Na moda de vestuário, chamamos de roupa em “Segunda Mão”, mas este conceito vai mais além e já tinha sido discutido no Meet The Maker. Re-usar matérias primas de outras industrias, para se fazer o ciclo perfeito. Por exemplo, há quem use o “desperdício” da corticeira Amorim para fazer solas, o mesmo acontece com a têxtil, mas o que se faz com os “resíduos” do calçado?

Atualmente o calçado até poderia separar as matérias e reciclar, mas é necessário encontrar alguém que dê utilidade ao produto reciclado. É aqui que entra o primeiro passo da economia circular do calçado, o design. Olhar para uma matéria e (re)pensar novas soluções. Ficou por isso por responder: “o que fazemos aos resíduos de tecidos, peles, entretelas,…? “

O cliente final impõe “quero um produto mais sustentável” e muitas vezes para além de não entender o pedido que faz, o seu pedido é mais prejudicial ao planeta, do que a matéria prima dita “convencional”, ou porque dura menos, ou porque tem de vir de avião. No entanto “os grandes”, podem e devem fazer a diferença, a Decathlon já obriga ao uso de colas à base de água e a ADIDAS Futurecraft Loop traz uma nova proposta para as sapatilhas até 2021, em que tudo é reciclável, vejam o video.

Os grandes podem “provocar”, mas os industriais têm de estar preparados para responder, e ainda há um longo caminho pela frente. Atualmente há escassez de recursos humanos, com competências em sustentabilidade, engenharia de produto e em design sustentável.

Os que começaram há mais tempo, já comprovaram que estão a vender menos, mas melhor, “a tendência dos últimos 3 anos comprovam, porque existe valor acrescentado em Portugal”. Esta indústria já tem há 5 anos um departamento de sustentabilidade integrado na empresa.

Hoje, tanta coisa ficou por responder e nesta discussão ficou a faltar o sector da “reciclagem”, o sector do mobiliário, a arquitetura, faltou o legistador, para entender o problema destes empresários. Há tantas novas opções. “Precisamos de legislar, para obrigar a mudança e ter um polícia a fiscalizar”, porque infelizmente há muitas certificações que são feitas pela própria empresa sem qualquer rigor. Sem legislação, não há mudança. Por isso, ficou uma pergunta no ar. “O que é sustentabilidade para a União Europeia?” Palavras sábias saíram de outro empresário “Sem associativismo não conseguimos, a colaboração é fundamental.”

No (re)pensar a moda, temos de (re)pensar a forma como consumimos e como produzimos! E para mim o futuro passa por reduzirmos o consumo ao essencial, o “Make to Order” parece novidade, mas vamos ter de produzir só o que o cliente quer! Esqueçam o Stock, lembram-se deste artigo?

A tendência mostra que as marcas sustentáveis terão mais destaque nas lojas físicas e online e os filtros também já caminham para o “sustainable edit”, mas isto será normalizado. As lojas passarão a ter contentores de recolha como norma, as marcas irão inevitavelmente convidar o cliente a devolver as peças no fim do ciclo de vida ou a fazer “arranjos”. As fábricas terão de (re)pensar os espaços físicos para a separação das matérias e as amostras que hoje destruídos (por obrigação contratual com as marcas) passarão a ser proibidas e novas profissões irão surgir. As ações de marketing passarão pelo “bem comum” com a recolha de lixo dos oceanos. E nós consumidores finais iremos comprar com base na redução do packaging. Não estaremos longe de sermos proibidos de “gerar” lixo, porque o lixo passará a chamar-se “matéria”!

Joana

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