Mas afinal, o que é moda sustentável?

Na última mentoria com uma marca, a fundadora disse: “Quero que a minha marca seja o mais sustentável possível. Quero usar algodão orgânico e materiais naturais.” Esta frase marcou-me, porque diz muito sobre o panorama atual e sobre a ideia vaga do que é ser sustentável. Mas, afinal, o que é uma marca sustentável?

Há 3 problemas comuns na maioria das marcas:

  • os sentimentos negativos que muitas vezes vêm associados à ideia ou produto sustentável;

  • a maioria das ações sustentáveis foca-se na quantidade, e não na qualidade.

  • falta de critérios claros para definir um produto sustentável

Um dos sentimentos mais presentes é o sentimento de culpa. A culpa de ir ao supermercado e comprar produtos embalados em plástico, a culpa de conduzir um carro a gasóleo, a culpa de ver a quantidade de lixo de produzimos.

Para além do nosso consumo, todos os documentários e artigos que saem sobre a falta de recursos, extinção de espécies ou mudanças climáticas acentuam ainda mais esta sensação de culpa e até de medo, porque a sensação que fica, é: “É tudo mau, por onde começar?”

Ainda ontem a Eunice Maia dizia: “desculpa estar a ser ecochata”, mas, na verdade, ela e eu o que fazemos é apenas questionar. Não me vejo como ativista (apesar de poder parecer), apenas questiono a forma como a informação chega até nós e de como isso influencia a forma como construímos a nossa marca e consumimos. Não existem marcas 100% sustentáveis, porque toda a produção gera sempre impacto.

Quando vemos uma marca a defender uma iniciativa puramente dedicada à natureza, nota-se o quão desvinculada está da realidade. Porque natureza e ser humano são um só. Nós somos natureza. A moda sustentável é aquela que respeita três dimensões: a ambiental, a social e a económica.

Na dimensão ambiental é comum:

  • Uso de materiais mais sustentáveis (algodão orgânico, linho, reciclados)

  • Tingimento natural

  • Reutilização de tecidos (dead stock)

  • Reciclagem

  • Produção local

  • Proteção animal

Na dimensão social:

  • Remuneração justa

  • Trabalho artesanal

  • Inclusão social

  • Doações

Na dimensão económica:

  • o desafio que se coloca aos empreendedores é pensar em modelos de negócio que sejam economicamente viáveis, que possam ser sustentados e perdurar no tempo.

A maioria das marcas está muito focada em minimizar os impactos, mas, como já tinhamos visto no artigo anterior, “fazer menos mal não é fazer bem”, e a incoerência começa quando na nossa cabeça estamos a comprar “melhor” porque a etiqueta diz: material reciclado ou algodão orgânico. No nosso pensamento, algodão orgânico é melhor, porque não são usados pesticidas no cultivo, mas no final, tingimos as nossas peças com químicos. Quão coerente isto é?

Quando o foco é minimizar, estamos empenhados na redução do impacto, ou seja, estamos focados na quantidade. Essa estratégia da minimização não questiona o fundamental - o modelo linear - que significa criar e descartar. Lembram-se do artigo sobre Design Circular?

Um ótimo exemplo foi dado por uma aluna, que reforçou que na sua marcada privilegiava a longevidade, e por isso não poderia usar cola de água no seu sapato, porque a cola não permitia atingir um dos critérios fundamentais. Optar ser “mais sustentável” não significa que se está a fazer melhor. As marcas acreditam que, ao reduzir o uso de determinados materiais, estão a fazer melhor e muitas vezes o produto perde performance.

Na verdade, a palavra sustentável é um pouco vaga. Sustentabilidade significa “sustentar a longo prazo”. Mas as marcas não indicam o que estão a SUSTENTAR. Faltam critérios claros! É aqui que começa a dúvida das marcas e dos consumidores.

Quando o olhar é focado na minimização ou a redução do impacto, a maioria das marcas foca-se em mapear e quantificar o impacto. Como foi o caso da Calzedonia, “1 biquini = 5 garrafas de plástico”. A marca inicia o seu ciclo de vida focado na minimização, porque reaproveita plásticos (poliéster), mas não explica como devemos cuidar (ciclo de vida) e nem explica como será no pós-consumo. O fato de banho é feito de poliéster e elastano, e não é possível reciclar um material que contenha elastano na sua composição. Ou seja, a marca inicia o seu raciocínio na economia circular, mostrando preocupação com a matéria-prima, mas termina na economia linear (do berço ao túmulo). Ela reaproveita recursos, mas no final descarta. Já vimos que “matéria-prima não é lixo”, lembram-se deste artigo?

Como consumidores, ficamos com a sensação de que estamos a consumir “melhor”, porque existe o chavão no descritivo do produto “fio Ecossustentável”, muito focado no COMO fazemos “menos mal”. No então, precisamos de saber ONDE a marca pretende chegar?

  • Mais do que quantidade, temos de falar de qualidade.

  • Mais do que eficiência, temos de falar sobre efetividade.

  • Mais do que escassez, temos de falar em abundância.

Segundo o conceito “Cradle to Cradle”, para a marca ser sustentável, ela tem de ser pensada para o modelo circular (do berço ao berço). Temos de olhar de forma positiva para os materiais e olhá-los como nutrientes. Esqueçam o descarte, a ideia de lixo é um conceito obsoleto. Neste modelos existem 2 ciclos:

  • O Ciclo Biológico — o que vem da terra volta para a terra. Por exemplo, se desenvolverem uma t-shirt de algodão orgânico com tingimento natural, ela em fim de vida pode degradar-se na natureza sem qualquer contaminação.

  • O Ciclo Técnico — a ideia é manter as matérias o máximo de tempo possível no ciclo produtivo. Por exemplo, posso olhar para a minha peça como um “banco de materiais” e posso substituir as peças em fim de vida, ou encaminhá-las para outros ciclos produtivos. Devemos encaminhar o nosso pensamento no sentido de podermos utilizar como matéria-prima aquilo que para outra indústria é um resíduo ou um sub-produto.

Vamos então falar sobre critérios? Existem 5 critérios fundamentais a ter em conta:

1 - A Saúde dos materiais.

Que materiais compõe o teu produto?

Pensar em circularidade é pensar em saúde. É fundamental a marca pensar em bons materiais, seguros e saudáveis. A ideia é que cada produto seja benéfico. Não só para o produto, como para a saúde humana e ambiental. Como marca, temos de fazer um inventário a todos os materiais e ver os seus impactos químicos ou tóxicos. (A Calzedonia usa poliéster reciclado no fato de banho, mas convida o consumidor a lavar na máquina sem saco de microplásticos?) Todos sabemos que os microplásticos e outras substâncias se acumulam nos sistemas naturais e no nosso corpo.

2 - A Reutilização de materiais.

O teu produto está a ser desenhado para que ciclo?

Como vimos anteriormente, temos dois ciclos, o técnico e o biológico e nenhum deles tem fim. A Economia Circular é uma economia de partilhada e abundância. A intenção aqui é que os materiais possam ser usados novamente, ou seja, os resíduos passam a ser nutrientes. Nada se desperdiça.

3 - A Energia Renovável.

O teu parceiro usa painéis solares?

Usar fontes de energias que preservam e sustentam os recursos e a vida das pessoas e não colocam as pessoas em perigo é fundamental. Neste critério deves privilegiar fontes renováveis, sem usar combustíveis fosseis que contaminam a atmosfera.

4 - A Gestão da Água.

Como é que o teu fornecedor faz o tratamento de águas residuais?

No processo produtivo, como é que manténs a qualidade da água? A água deve ser limpa e deve ser mantida no local de forma saudável, podendo ser reutilizada continuamente na fabrica, ou para os ecossistemas locais. O Denim é uma dos produtos mais poluentes da industria da moda, por isso, a Everlane criou a denim factory com a Saitex e 98% da água é tratada e reutilizada.

5 - A Justiça Social.

Quem são as pessoas envolvidas ou impactadas pelo teu produto ou projeto?

Como vimos anteriormente, a economia circular não deve focar-se apenas nos materiais, deve privilegiar também o bem-estar das pessoas que fazem esta economia funcionar. A intenção é promover a felicidade, com condições de trabalho dignas, justas e seguras.

Tudo isto é um processo. É necessário entenderes o local e o teu negócio, definires metas concretas, entenderes o que são os teus nutrientes e como os vais devolver aos ciclos. O foco é sempre a otimização a longo prazo, através de estratégias internas e junto dos teus parceiros. Sê claro no que pretendes alcançar.

Quando dizemos que algo é sustentável, temos de entender com base em que critérios estamos a fazer essa avaliação. É sustentável em relação a que critério? Como consumidores é isso que devemos analisar nas marcas que compramos e como marca é isso que temos de entregar ao nosso cliente, uma visão bem clara do que pretendemos alcançar.

Obrigada Eunice e Ana pela ajuda :-)

Joana

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