A utopia do "consumo consciente"
Bater por amor é amar?
Insultar baixinho é elogiar?
Comer um doce menos calórico é comer bem?
Então porque motivo acreditamos que consumir um produto menos mau é consumir bem?
Esta falsa sensação vem da utópica expressão “consumo consciente”. Ela significa minimizar o impacto no planeta. Mas já pensaram que minimizar não é resolver?! Porque “Fazer menos mal não é fazer bem”.
Quando uma marca diz ser “100% sustentável”, começo a rir! A maioria das marcas acredita que é sustentável, porque:
usa um packaging reciclado;
usa algodão orgânico;
produz localmente;
faz poucas quantidades;
usa dead stock.
Reduzir o impacto não é eliminar o impacto. E tudo começa na própria ideia de consumo. Sabiam que “consumo” significa “fazer desaparecer”? significa “destruir”?
Logo, se eu sou “100% sustentável”, será que estou afirmar ser “100% destrutível”?
Como já tinha referido no artigo Design Circular a economia que herdamos da industrialização está pensada para ter uma validade, ou seja, um FIM.
As marcas acham que são “sustentáveis”, mas na verdade, estão a promover uma destruição com fim anunciado. Promovendo ainda mais consumo, mais recursos.
Da mesma forma que o conceito de LIXO vai deixar de existir, lembram-se deste artigo?, o próprio conceito de VALIDADE e de FIM passam a ser obsoletos. Temos, na verdade, de celebrar o fim do fim.
Nas diferentes “possibilidades de futuro”, as empresas já não servem para obter lucro. O LUCRO também é uma ideia antiga.
Nas empresas “sistema B” o lucro é visto como uma consequência de algo maior - a VIDA. Porque o verdadeiro significado da sustentabilidade é sustentar a vida do planeta e das pessoas que lá habitam (nós).
Como marca, não usem a palavra “sustentável” se não entendem o seu verdadeiro significado. Muitas marcas usam esta palavra como um argumento de venda. E para além de ser greenwashing só prova ignorância! Muitas vezes não fazem por mal, é desinformação. Apesar de hoje (infelizmente) ser visto como um “factor competitivo”, a sustentabilidade não pode ser vista como uma “estratégia” do futuro — “Futuro é cada vez mais sobre deixar de prever o futuro e explorar mais a incerteza.”
Não é estratégia, é sobrevivência, porque o Futuro é Agora.
Se a palavra “consumo” significa destruir, então ele não pode ser combinado com a palavra “responsabilidade”. Então qual será a palavra para esta união?
CRIAR! Criar significa:
Dar existência
Gerar
Inventar
Nascer
Crescer
“Criar” Consciência! Caramba que palavra perfeita! Se pensarmos nisto, ser sustentável é sustentar a VIDA, as pessoas, a natureza, a economia. Como referi no último artigo, um dos caminhos para a ideia do fim, é aprender a “Desenhar para a circularidade”, porque a circularidade significa abundância. Dentro do conceito C2C o lixo é visto como um nutriente, possibilitanto criar “infinitamente”.
Substituindo a expressão “Consumo Consciente” por “Criar Consciência” permite-nos um entendimento diferente do ser humano com a natureza. O documentário, “A sabedoria do polvo”, promovido pela Netflix, exibe isso mesmo.
Já a Carol Delgado dizia noutro dia que os indígenas conseguem “escutar” os sinais da natureza de forma tão sofisticada que nem a inteligência artificial conseguiria entender. É este novo entendimento do mundo que precisamos. Uma autoconsciência que nos permite criar novos tipos de ligações, pensamentos e ações.
Desenhar para a circularidade é mudar o mindset de quem cria e de quem “consome”. Até a palavra consumidor dá-nos uma ideia fatalista do fim. Vamos substituir por “utilizadores” ou “presumers”, já falei sobre isto no artigo: Moda Digital. Lembram-se?
Da mesma forma que a nossa vida é feita de uma combinação de vários acontecimentos, a sustentabilidade é semelhante. Ela não pode ser vista de forma isolada, nem fragmentada. Ela só existe quando é combinada com vários eixos: económico, social, ambiental. Porque tudo isto é um problema sistémico e que impacta a nossa sobrevivência.
Quando me perguntavam esta semana, se a “consciência coletiva” pertencia a uma elite, percebi que é o mesmo que dizer que existe o planeta dos iluminados e dos ignorantes. Esta suposta “elite” vive numa falsa inteligência. Porque os seus “novos hábitos de consumo” são usados pelos mais carenciados desde sempre. Vejamos alguns movimentos ditos “modernos”:
O reaproveitamento da água;
O reaproveitamento de materiais e alimentos;
O reaproveitamento de roupa entre familiares;
Isto não é “sabedoria”, é sobrevivência. A sustentabilidade vem da palavra “sustentar”. Sustentar as pessoas, a sociedade, a economia. Todas as marcas terão de ser inevitavelmente sustentáveis. Todas! Não há outro caminho.
Vivemos claramente numa contradição. Temos mais consciência, mas o nosso consumo não mudou. Porque não conseguimos entender que o que temos é o suficiente para viver. Porque achamos que ter mais significa prosperar. E “pior” é que não conseguimos visualizar que as nossas tomadas de decisão impactam milhares de vidas. Este distanciamento faz-nos tomar decisões incoerentes. Como é que continuamos aceitar comprar uma camisola de 1€ e achar que irá impactar positivamente na cadeia de valor? 🧐
O mesmo acontece com a H&M, que tem vindo a promover as suas práticas mas, antes da pandemia, tinha bilhões de euros em stock parado. Como é que isto é ser um exemplo de sustentabilidade?
Esta incoerência está presente na Zara, que continua a argumentar ser mais sustentável, mas a sua lógica de coleções de 2 em 2 semanas só promove o “consumo veloz”. Como é que produzir “fast” se conjuga com a ideia Join Life?
A ideia de que o consumidor comum e até de algumas marcas de que a sustentabilidade está no uso de algodão orgânico é tão errada. Vejamos! Se estamos a privilegiar o uso de algodão orgânico, é porque valorizamos uma produção sem pesticidas e sem químicos em todo o processo, certo? No entanto, a marca (mal informada) vai tingir a peça com químicos. Qual é a lógica?
Quem acredita que a sustentabilidade é um argumento de vendas acredita que deve existir mais planetas prontos a escassear. Não existe Planeta B! A sustentabilidade não é uma alternativa, é inevitável! Mas para se ser sustentável, temos de sustentar a nossa proposta de valor num círculo perfeito. E é aqui que as marcas falham de forma grosseira.
Primeiro, por falta de informação, segundo, porque estão a ser levadas pela “modinha”, sem entenderem verdadeiramente o que tudo isto significa.
Como já referi várias vezes, aprendemos no último Meet The Maker que “a sustentabilidade não pode ser reduzida à matéria-prima”. É muito mais profundo do que isso. É um problema sistémico!
As marcas iniciam o seu pensamento na economia circular, mas terminam na economia linear, que promove o descarte. Criar uma marca sustentável é CRIAR uma nova forma de pensar e de atuar. É um novo sistema que impacta positivamente todas as áreas desta cadeia de valor. No curso de Design Circular aprofundei o conceito Cradle to Cradle (do berço ao berço) onde existem 2 ciclos:
O Ciclo Biológico — é que vem da terra tem de voltar para a terra.
O Ciclo Técnico — é manter as matérias o máximo de tempo possível no ciclo produtivo.
Como marca, temos de aprender a desenhar com intenção e dos 5Rs (Refuse, Reduce, Reuse, Recycle, Rot), o primeiro é recusar. Por isso, questiona-te: O produto que estás a desenhar tem mesmo de existir? ou será que pode ser um serviço?
Temos de aprender a desenhar para a longevidade;
Temos de aprender a desenhar para servir e não a produzir. Temos de desenhar para um utilizador e não para um consumidor (a ideia de consumidor é obsoleta).
Temos de desenhar de forma positiva, com materiais positivos e não tóxicos. De forma a que sejam vistos como nutrientes, alimentando várias indústrias.
Temos de desenhar para a recuperação de materiais (lembrem-se de que o lixo não existe.)
A sustentabilidade que a maioria das marcas promove são verdadeiros contos de fadas. Simplesmente não existe! O que separa uma marca de uma empresa é a sua forma de contar a história. Por isso, estamos todos a ser impactos por narrativas bonitas, cheias de fragilidades na base.
Durante anos víamos no site das empresas chavão da “responsabilidade social” e isso muitas vezes significava produzir mal, desrespeitar o trabalhador, desrespeitar o ambiente, em troca de doações que traziam benefícios fiscais. Qual é a lógica?
O conceito de “produzir” está sob um grande escrutínio, por isso ser sustentável é desenhar para a circularidade. Prende-se com uma nova forma de entender o mundo e a natureza. Temos de CO-CRIAR alinhados com os princípios da natureza e aprender a COLABORAR sem esperar nada em troca. Só através de uma rede colaborativa é que as nossas ações como marca podem impactar o mercado.
Este artigo fala muito sobre sobrevivência, mas a ideia que vos queria deixar é que a verdadeira sustentabilidade está intimamente relacionada com a ideia de CRIAR ABUNDÂNCIA, através de soluções que promovem a VIDA.
Joana