Reciclado é Reciclável?

Sempre que uma marca me diz ser sustentável, fala de matérias-primas. Mas será que as marcas entendem verdadeiramente a sua escolha? 🧐

No curso “Comunicação para a Sustentabilidade na Moda” promovido pelo CITEVE e o MAKERS ACADEMY, aprendi com a Ana Tavares que ainda estamos no estágio de reciclar produtos de origem virgem. Ainda não estamos na fase de reciclar o reciclável.

Esta observação fez-me olhar para o resíduo com outros olhos. E porque motivo isto é importante? Porque, como consumidores, ao comprar e ao descartar, tudo muda!

Ao comprarmos produtos reciclados, não significa que estes são recicláveis! E se estamos preocupados com o FIM, temos de aprender a escolher o que comprar com base no tempo de vida útil do produto. Muitas das soluções alternativas ao plástico e ao papel convencional, na verdade ainda não são recicláveis. O que levanta uma questão fundamental. Temos de aprender sobre o ciclo de vida do produto e de como é “descartado”.

No processo de construção de marca, o empreendedor e o designer tem de tomar várias decisões importantes:

  • Que matéria-prima terá o meu produto?

  • Que packaging irei escolher?

  • Que etiquetas irei considerar?

Ao escolher qualquer tipo destas matérias-primas, deve-se ter em consideração o ciclo de vida do produto e o seu fim a 1, 5, 10 e 20 anos.

Porque devemos planear o fim de um produto?

Porque podemos antecipar ou até colmatar alguns problemas atuais. O tempo de vida de um produto irá condicionar a escolha dos materiais. Vejamos:

Packaging Pangaia

Packaging - Tempo de vida curto

O packaging, por exemplo, qual o seu tempo de vida? Entre o fabrico, o embalamento, o transporte e o descarte, provavelmente, estamos a falar de semanas.

Considerando este tempo de vida, que material devemos escolher?

  • Plástico ou papel?

  • Plástico convencional ou biodegradável?

Pois bem, o plástico convencional já tem um circuito próprio que à partida, é garantido a sua reciclabilidade, mas a compostagem não. Tal como os copos biodegradáveis, eles ainda não tem um circuito próprio, sendo impossível de se biodegradar.

Li um artigo bem interessante da Mindtrash que explica a diferença do Biodegradável VS Degradável. Coloco uma transcrição que me chamou atenção:

“Segundo a Environmental Science & Technology, não devemos confundir o facto de um produto ser biodegradável com o facto de que ele vai desaparecer na totalidade. Muitas das vezes pensamos que ao comprarmos este tipo de produtos e os reciclarmos, estamos a fazer uma escolha consciente. O que não é de todo verdade, uma vez que, ao fazermos , estamos a prejudicar o processo de reciclagem dos produtos de plástico convencional. Por exemplo, quando reciclamos este tipo de plástico, o nosso propósito é convertê-los em sacos novos. Quando reciclamos os sacos biodegradáveis no mesmo sítio dos sacos de plástico convencional, durante o processo de reciclagem, os aditivos que estão presentes nos sacos biodegradáveis vão contaminar a mistura que permite a criação de novos sacos.”

Como marca, como devemos atuar?

Ao contrário do que pensava, devemos optar por matérias-primas cuja reciclagem hoje podemos garantir, ou seja papel ou plástico convencional ou plástico biodegradável.

Compostável: sabes o que significa?

A Mindtrash explica também:

“Quando nos referimos a um material como compostável, estamos a dizer que este possui um processo de degradação completamente biológico. Isto significa que são os microorganismos que transformam a matéria orgânica (restos de fruta, hortaliças, cascas de ovos, borras de café) num composto rico em propriedades semelhantes às do solo.” 

Quais as vantagens de sacos compostáveis?

“Uma das vantagens da compostagem é o facto de que o composto final tem imensos benefícios para o nosso solo. Para além de melhorar a fertilização do mesmo, em solos mais leves e arenosos, possibilita uma maior retenção de água para as plantas, proporcionando assim, um crescimento mais saudável para as mesmas.”

Enquanto que o plástico convencional poderá demorar cerca de 100 ou 200 anos, este tipo de produtos demoram cerca de 2 a 6 semanas para se transformarem num composto rico em nutrientes. O que é totalmente vantajoso para a diminuição da nossa pegada ecológica.

Hoje em dia, as marcas optam por alternativas ao plástico, acreditando serem melhores, no entanto tecidos ou sacos biodegráveis na verdade, ainda não têm opção no fim de vida. Logo poderão ir parar a um aterro convencional. A salientar que também é certo que há muitas nuances que podem invalidar a reciclagem convencional, como por exemplo, a cor (embalagens escuras, por exemplo), a mistura com outros materiais,… mas pelo menos esses ciclos já existem e há quem faça essa triagem por nós.

PÓS-Indústrial VS PÓS-consumo

Quando falamos em vestuário ou calçado, como é o ciclo de vida do produto? Que materiais devo considerar? Devemos fazer um plano de vida para o nosso produto. Estamos a desenhar para que tipo de ciclo? Técnico ou biológico?

Hoje os sistemas de reciclagem de vestuário ainda não estão garantidos, passará a ser obrigatório a recolha seletiva e o tratamento de resíduos têxteis (pós-consumo) apenas em 2025!

Na indústria da moda o pré-consumo são resíduos têxteis que resultam do fabrico de malhas e confecção (aparas).

O pós-consumo é quando temos um produto acabado que chegou ao fim de vida, por exemplo, um casaco com diferente materiais e os seus acessórios (fechos, botões, …)

A reciclagem é diferenciada nestes dois tipos de consumo:

A reciclagem está garantida no pré-consumo. Este circuito está completamente assegurado pela indústria da moda que deve valorizar o resíduo. Estes resíduos têxteis vão para centros de triagem e poderão ser reintroduzidos em outras indústrias (como automóvel ou construção civil) ou são reciclados e voltam a originar fio.

No pós-consumo este circuito não existe. O produto finalizado vai a maioria das vezes parar a aterro. As alternativas atuais são os contentores de vestuário que por norma têm apenas um fim: A doação.

Em Portugal existe uma entidade que para além da recolha, faz a triagem. Poderá existir doação ou revalorização de matéria. Mas todo o trabalho de triagem e separação destas matérias ainda é feito de forma manual. Isto implica retirar fechos, botões e todos os acessórios o que exige um grande trabalho de mão de obra, ficando um processo muito dispendioso. O volume de roupas é tão grande que esta processo tem de ser mecânico. Mas ainda não há soluções.

Sapatilhas VEJA

Sapatilhas - Tempo de vida médio

Se estivermos a falar de umas sapatilhas de criança com um uso excessivo, provavelmente durarão 3 / 6 meses.

Se a nossa peça tiver um tempo de vida médio, os ciclos de vida técnicos poderão ser uma boa opção, no entanto, hoje ainda não existem esses ciclos montados no sistema de pós-consumo. Por isso, em produtos de curta duração, deveremos considerar matérias-primas para ciclos biológicos. Lembram-se do último artigo sobre estratégias de design circular?

O ciclo biológico refere-se a materiais orgânicos que se podem degradar ou compostar em ambientes naturais ou controlados num período de tempo.

T-shirt ISTO

T-shirt - Tempo de vida longo

Se estivermos a desenhar para um tempo de vida longo, por exemplo uma t-shirt de alta qualidade, a considerar um tempo de vida de 20 a 30 anos, podemos desenhar para um ciclo técnico, pois irá ser possível daqui a 20 anos colocar num sistema pós-consumo. A Recolha Seletiva do têxtil passa a ser obrigatória em 2025.

Para entrar num ciclo técnico, deveremos desenhar para “monociclos”, ou seja produtos feitos inteiramente de materiais adequados ao mesmo ciclo ou Desenhar para “desintegrar”, ou seja, pensar em materiais e acessórios capazes de serem desmontados, reparados ou substituídos permitindo inserir em processos de reciclagem mais eficazes e que economizam tempo.

A verdade é que nós consumidores habituamo-nos a comprar tudo muito barato, colocando em causa a longevidade dos produtos têxteis. Lembram-se de ter falado sobre a “obsolescência programada?” neste artigo sobre design circular?

Vamos a factos: Se compramos barato, damos menos valor e vamos descartar mais cedo.

Segundo o DN, os Portugueses deitam fora 200 mil toneladas de roupa por ano. Entre 2011 e 2017, foram deitados ao lixo 1,2 milhões de toneladas de têxteis.

Catarina Barreiros num post sobre “Doar ou Reciclar?”

Em fim de vida, uma das opções mais comuns é deitar o vestuário num contentor, dando uma “falsa” sensação de segurança.

Ao colocamos em contentores, a maioria deles tem como fim, uma doação. Como a maioria dos consumidores privilegia fast-fashion, a qualidade dos têxteis é muito fraca, acabando por serem vendidos a países de 3º mundo. Vejam esta reportagem da CNN para entender melhor: “O País que virou LIXÃO”.

A roupa chega em tão mau estado que é colocada em grandes lixeiras a céu aberto. Muitas vezes perto do mar, que acabam por entrar no ciclo de vida marinho. Muitos destes produtos podem demorar cerca de 100 anos a degradar.

Em alternativa em Portugal existe um projeto TO BE GREEN, que recolhe, seleciona e recicla, mas ainda numa escala pequena.

Se comprarmos com valor acrescentado, vamos poder revender e atrasar o seu fim. E mesmo quando chega ao fim, caso a marca tenha desenhado corretamente, daqui a 20 anos já podemos dar um solução concreta. VALORIZAR o Resíduo.

Como marca, devem privilegiar matérias primas recicladas, evitando o uso de matéria prima virgem.

Como consumidores, devemos valorizar marcas que usam matérias-primas superiores, e que provam valorizar o fim de vida do produto. Optem por marcas com sistemas de Take Back (pós-consumo) em loja. Esse sistema é já uma garantia dessa valorização.

Já é possível ver este tipo de programas na ZARA, H&M ou MO, que aceitam roupas usadas. A MO inclusive já lançou a primeira coleção com as primeiras 500 peças, que vêm do seu programa “Ciclo Fechado”.

Vejo isto como um contra-senso, porque um dos princípios da economia circular, é desenhar roupas para serem capazes de circular com o máximo valor, o maior tempo possível, antes de entrar novamente no sistema por meio de reutilização ou reciclagem. Se analisarmos com atenção, as marcas acima referidas são de fast-fashion, indicando que o ponto de partida, ou seja, a matéria-prima é de fraca qualidade, logo irá durar pouco tempo, e ao descartar não dará para aproveitar em grande escala. Mas, fica a reflexão.

Boas Compras!

Joana

Anterior
Anterior

UTILIZADOR é o novo consumidor

Próximo
Próximo

Estratégias de Design Circular