Estratégias de Design Circular
Vejo muitas marcas iniciarem o seu pensamento numa economia circular, mas depois terminam na economia linear. Quando me perguntam que marcas circulares portuguesas conheço, confesso-vos que não cabem numa mão.
A maioria está empenhada em “minimizar” impactos, não questionando o mais importante — o sistema linear que promove o “descarte”.
E é urgente falar do FIM do FIM. Por isso, hoje gostava de vos falar em estratégias de design circular, cuja ideia principal é: Imaginar que não existe lixo!
No curso “Comunicação para a Sustentabilidade na Moda” promovido pelo CITEVE e o MAKERS ACADEMY, estive com imensas marcas com inúmeras ações responsáveis: escolha das matérias primas responsáveis, certificação de processos, cuidado com o packaging, digitalização dos sistemas. Mas, quando lhes perguntei: “E no fim? o que acontece?”. Não tive respostas.
A maioria das marcas já saiu da lógica da economia linear e está na passagem para a economia da reciclagem, mas ainda não estão a trabalhar para a economia circular (ver gráfico acima).
Infelizmente, muito poucas empresas pensam efetivamente sobre o FIM. Se não pensarmos no FIM de vida de um produto, não estamos a questionar o modelo atual, pensado para “descartar”.
Por isso proponho, voltarmos ao início.
O que é um SISTEMA LINEAR?
A indústria da moda é caracterizada por ser principalmente uma economia linear: produção → consumo → desperdício. Ou seja, o sistema linear consiste na extração de recursos, produção e manufatura, distribuição, uso, consumo e descarte. Trazendo como consequência:
O crescimento económico depende do consumo de recursos finitos, o que traz um risco de esgotamento de matérias-primas. Com esses recursos cada vez menos disponíveis, os custos da extração ficam cada vez mais altos e isso traz instabilidade e insegurança em relação ao futuro.
Para além dos problemas associados a essa extração insustentável, também temos a contaminação provocada pelo descarte de produtos.
O modelo linear gera um volume sem precedentes de resíduos inutilizados e que são potencialmente tóxicos para os seres humanos e para os sistemas naturais.
As consequências ambientais são desastrosas - prejudicando a saúde das pessoas e do planeta.
O que é um SISTEMA CIRCULAR?
Há uma necessidade urgente de transformar a indústria de moda numa economia circular.
A economia circular é um sistema regenerativo pensado para as roupas serem capazes de circular com o máximo valor, o maior tempo possível, antes de entrar novamente no sistema por meio de reutilização ou reciclagem.
Desenhar para a circularidade tem como objetivo eliminar o conceito de LIXO (desperdício / resíduo). É também urgente a necessidade de acabar com a extração de recursos virgens, permitindo que os produtos sejam reciclados no ciclo técnico ou decompostos em ciclos biodegradáveis.
O Ciclo Técnico
Neste sistema regenerativo devemos olhar para uma peça de vestuário como um “banco de materiais”. Para desenhar para o ciclo dos materiais, devemos escolher cuidadosamente todos os materiais que constituem o produto para serem efetivamente utilizados, reutilizados e regenerados em sistemas circulares.
O Ciclo Biológico
O ciclo biológico refere-se a materiais orgânicos que podem se degradar ou compostar em ambientes naturais ou controlados num período de tempo. A Biodegradabilidade refere-se à degradação de um material com a ajuda de organismos vivos, enquanto que a compostagem é a capacidade de um material orgânico ser transformado em composto para fertilizar o solo.
Agora que vos expliquei tim tim por tim tim, vamos lá começar a desenhar para a circularidade.
Estratégias de Design Circular?
Desenhar para a circularidade é mudar comportamentos. E é aqui que os designers têm o PODER para CRIAR novos produtos. Lembram-se do artigo “A Utopia do Consumo Consciênte”?
ESTRATÉGIA 1 - Desenhar para a longevidade
A maioria das marcas sustentáveis desenham para a longevidade. Revelo algumas estratégias:
2.1 Desenhar para durar, ou seja, para garantir a longevidade de um produto, através da sua durabilidade funcional. Devemos privilegiar designs clássicos e intemporais que não fiquem desatualizado depois de uma ou duas temporadas. Vejam a marca portuguesa KC THE BRAND ou a ISTO.
2.2 Desenhar para Reparar é uma serviço que permite destacar ou substituir um elemento do vestuário pensado para ser fácil de desmontar. É uma forma eficiente de garantir que o produto é mantido o máximo de tempo em uso. Vejam a marca portuguesa A-line Clothing.
2.3 Desenhar para emocionar é prolongar o uso do produto por via da emoção. Uma das estratégias poderá ser promover a co-criação, customização ou o design participativo com grande potencial emocional. Dou dicas no artigo “After Drop”.
2.4 Desenhar para se ajustar é desenhar uma peça de roupa com a possibilidade de ser ajustável no tamanho ao longo do tempo. Muito comum em marcas de criança :P Vejam a marca portuguesa R3ady to Play
O design desempenha um papel fundamental na criação de um futuro circular para a moda. Apesar de as marcas adoptarem estratégias mais responsáveis que promovem a longevidade, evitando o aterro, ele pode efetivamente acontecer em fim de vida. Ou seja, essas estratégias não resolvem o problema central do sistema linear - “O descarte”.
Se o “LIXO” ´é um erro de design. Lembram-se deste artigo? Qualquer matéria-prima tem um potencial comercial imenso. Gostava por isso de vos apresentar a estratégia 2 - desenhar para a circularidade dos materiais. É a estratégia mais desafiante para as marcas, mas aquela que pode efetivamente mudar o sistema.
ESTRATÉGIA 2 - Desenhar para a “ciclabilidade” dos materiais
1.1 Desenhar para “monociclos”, ou seja produtos feitos inteiramente de materiais adequados ao mesmo ciclo. Como é o caso da marca portuguesa Lemon Jelly.
1.2 Desenhar para “desintegrar”, ou seja, pensar em materiais e acessórios capazes de serem desmontados, reparados ou substituídos permitindo inserir em processos de reciclagem mais eficazes e que economizam tempo. (A Confetil já desenha para desintegrar.)
1.3 Desenhar para ciclos técnicos ou biológicos, desenhar com produtos que se podem biodegradar na terra, sem a contaminar ou produtos de ciclo fechado que podem voltar aos ciclos técnicos. As matérias primas da Tintex Textiles incorporam este pensamento.
Bom trabalho,
Joana