O fim do fim

Chegou o momento de fazermos o balanço do ano. Iniciar um novo ano faz-nos projetar o futuro, mas também faz-nos recuar no tempo. Talvez por isso, estejamos a ser inundados com resumos do tempo que passou. Quantas vezes escutamos: “Este ano passou a correr”. Já pensaram que só temos noção do tempo, porque existe um fim?

Ontem um cientista dizia que o tempo no universo é elástico, é diferente da forma como o vemos. Comentei com o Filipe, que estava impressionada com o facto deste cientista português, ter um currículo invejável e ser tão novo. Até que o Filipe perguntou: “O que é para ti, ser novo?”

Achei piada à pergunta, porque esta foi a primeira descoberta do ano. Quando pensava nos meus avós, eles tinham 60 e tal anos e eram enrugados e esperava-lhes o descanso. Mas agora vejo a minha mãe com 60 anos, com imensa energia e apesar de reformada procura novos desafios. Quando lhe falei da universidade sénior, percebi que só o nome já era castrador. Em conversa com um cliente percebi que os 60 anos são os Novos Novos. A excitação é semelhante a entrar na idade adulta. Há todo um novo mundo por descobrir. E quem vem confirmar isto é o José. Foi meu aluno por dois dias, tem cerca de 65 anos e quando lhe pedi para me tratar por tu, agradeceu. O José está a iniciar uma marca de moda (faz carteiras de madeira lindas de morrer). No intervalo pediu-me para mostrar o logotipo que inventara na aula anterior. Quão inspirador poderá ser isto? Fiquei sem palavras, porque o José é um NOVO NOVO. Um jovem de tenra idade, que tal como a minha mãe, quer mais, muito mais. Já não existe o fim da idade. Se antigamente estudavamos, trabalhavamos e descansavamos, agora multiplicamos tudo isto. Estamos sempre a estudar, sempre a trabalhar e sempre a descansar. A idade é um número imposto pela sociedade, que nos limita na ação. Sabiam que Lyn Slater do Accidental Icon apesar de ter mais de 65 anos, o publico do seu blog tem entre os 25 e os 35 anos?

A medicina veio confirmar a tendência. Em 2030 prevê-se que população mundial viverá em áreas urbanas e 995 milhões terão 65 anos ou mais. O que estão as marcas a fazer por estas pessoas?

A série Years and Years também trouxe esta ideia de que já não existe fim com os trans-humanos. Abrindo a possibilidade para vivermos eternamente na cloud. Quão assustador poderá ser isto?

Confesso-vos que vivi 2019 confusa com a ideia do fim, porque preciso de sentir o limite das coisas, por isso fazemos listas e listas e listas no início de ano, porque precisamos de objetivos. Perguntaram-me: “Gostava de viver para sempre?” — Eu Não! Talvez por isso, tenha andado louca à procura da data do fim do mundo, um pouco castrastófico, eu sei!. Será em 2030? será em 2050? será em 2080? vi tantas previsões que até fico nervosa.

Tal como o mundo, a vida não é linear. E esta foi a segunda descoberta do ano. Foi aí que percebi que o nosso consumo sempre foi para ter um fim, o descarte. Os nossos telemóveis existem para ter um fim, a nossa roupa é feita para ter um fim, o nosso carro é feito para ter um fim. Mas se a idade irá deixar de existir, fará sentido existir o conceito de descarte, que por sua vez irá resultar em lixo?

Descobri esta nova ideia de lixo com a reunião com os empresários de calçado (lembram-se desse artigo?), que acabam por não dar valor às matérias, porque elam não são vistas como valor. A maioria das vezes, as matérias são queimadas, transformadas em energia. Aprendi também que a energia não só o que está a ser queimado, mas o fumo que provoca. O fumo também é energia. Por isso pensei ter descoberto a palavra do ano — EFICIÊNCIA.

Mas depois a Carla disse que a eficiência baseia-se em 2 coisas: no Quanto? e Como? mas ninguém se questiona “O Quê?” Substitui uma garrafa de plástico por uma de vidro, mas não vi o mundo melhor. Substitui um penso higiénico por um copo vaginal, mas não vi o mundo melhor. Substitui o saco de plástico pelo de tecido, mas não vi o mundo melhor. Compro a granel os legumes, em vez de embalagens, mas não vi o mundo melhor. É frustrante e imperceptível. Porque o que está errado é olharmos para tudo de forma linear.

Não interessa pensar em mim, mas sim, no impacto real que estou a criar em todos os que estão à minha volta. Não quero resolver problemas do outro lado do mundo. Quero resolver os meus problemas aqui e agora.

Descobri o conceito cradle-to-cradle. Ele na verdade veio acalmar a minha ansiedade por respostas. O C2C consiste em vermos o lixo como alimento, como nutriente para aquilo que está para vir. Mais do que nunca, numa vida sem fim, temos de olhar para a sustentabilidade da biosfera e de como a sustentar. Trata-se de sermos benéficos e de não entrarmos em pânico. Temos de deixar uma herança para as gerações seguintes, por isso não podemos viver com culpa. Quantas vezes pensei, ainda bem que não tenho filhos, mas “É como olhar nos olhos de uma criança e dizer - Seria melhor se não estivesses aqui!”. Fará isto sentido?

Temos de olhar para o nosso consumo, para os nossos objetos, para as nossas marcas com a capacidade infinita de reutilização. Por isso, mais do que olhar para o futuro, temos de olhar para o passado, porque tal como disse o Jackson “Não podemos querer que a moda construa o futuro, se não conseguimos retificar o passado, atuando no presente. O futuro já chegou.”

Obrigada por estarem aí (sem fim).

Joana

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