O fim da privacidade

Há comportamentos que nem sempre conseguimos explicar, mas a verdade é que eles repetem-se pelo mundo. Em Londres, observei dois comportamentos semelhantes. Por isso, hoje vamos falar sobre privacidade. Já vos aconteceu reservar um hotel e ele pedir por telefone os dados do vosso cartão de crédito? Que medo! E porquê? porque nós portugueses somos desconfiados e temos medo de dar acesso à nossa informação. Mas certamente temos a app do nosso banco no telemóvel e não achamos perigoso. Certo?

Criticamos há uns anos o voyerismo permitido no Big Brother, criticamos a exposição pessoal no instagram, ficamos chocados com o documentário da Cambridge Analytica exibido na Netflix, mas aderimos às aplicações para vermos todos os passos dos nossos filhos na escola. Vivemos num dilema diário. Claramente estamos em constante contradição.

Em Londres, enquanto observava as câmaras do Underground, eram praí 10, um familiar estava a confirmar se o filho já tinha entrado no colégio em Portugal na app ecommunity. E este comportamento, fez-me pensar nas palavras de uma amiga, “O meu marido, não quer ver a aplicação, porque sente que está a invadir a privacidade do nosso filho!”

É incrível como não nos apercebemos diariamente do que estamos a fazer. Estamos hipnotizados com o acesso à informação, em troca de um benefício, sem pensarmos que estamos a matar aquilo que mais preservamos - a liberdade.

Atualmente o Facebook tem 2,41 biliões de utilizadores. Já pensaram que este é o maior país do Mundo? Que é liderado por um programador chamado Mark Zuckerberg. Ele e a sua equipa, moldam os nossos comportamentos diariamente. É ele que define o algoritmo da publicidade que recebo, que consumo, as vezes que consumo e por consequência o meu comportamento na sociedade. E pior, são eles que gerem conflitos e propagandas políticas.

Digamos que a nossa informação diária, é mapeada e tudo o que fazemos e dizemos está a ser escutado. Todas as decisões que tomámos estão a ser dadas ao Facebook, à Microsoft, ao Google, à Apple, à Amazon e a tantas outras entidades americanas e chinesas. Leiam o livro Big Nine da Amy Weeb, vão ficar surpreendidos.

Nós que criticamos o Big Brother, estamos a dar acesso à nossa televisão para filmar a nossa casa, estamos a dar acesso ao nosso robot de limpeza inteligente para mapear o nosso apartamento, estamos a dar acesso ao nosso frigorífico da Samsung para filmar a nossa comida, estamos a dar acesso ao Google Maps a nossa localização, estamos a dar acesso à Apple escutar a nossa voz, os dados de tudo o que consumimos, inclusive o acesso ao nosso dinheiro. Estamos a dar acesso à Netflix do que gostamos. Sabiam que a imagem e o texto das séries variam de pessoa para pessoa? a Netflix adapta ao perfil de cada um.

Saiu uma notícia na RTP 1 este Verão, a dizer que a União Europeia tinha criado um fundo de 90 milhões para criar a próxima Google. Ri-me! Infelizmente só este ano, é que a Europa acordou para a fragilidade atual. Todas as marcas que referi anteriormente e muitas outras, que usamos diariamente são Americanas. A Europa está complemente dependente da China e dos USA. Se os estados unidos desligarem o GPS, ficamos “às escuras”. Enfim! Até os servidores onde armazenamos os nossos negócios não são nossos. A Amazon está a investir na cloud. Porque com o crescimento da internet e por consequência do ecommerce a Amazon está-se a preparar para receber uma taxa por cada transação no mundo. Assustador não?

O que nós dizemos é muito diferente do que nós fazemos. Os likes que eu faço, os ficheiros que descarrego, os livros que compro, os sites que acedo, as pessoas com que me relaciono online, as zonas para onde viajo, dizem mais sobre mim, do que aquilo que eu coloco na internet. Sou uma cidadã do mundo, porque a minha / a nossa pegada digital não pertence ao governo português, mas sim às entidades com quem nos relacionamos. Já pensaram que são os Estados Unidos que estão a moldar o nosso pensamento? As nossas ações são inconscientes. Estamos literalmente a dar acesso a diferentes mecanismos, que estão a moldar o nosso pensamento e a colocar em causa da nossa liberdade.

Ou melhor, não nos apercebemos, mas já não há liberdade.

Portugueses, não temam, a vossa privacidade acabou.

Joana

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