A sustentabilidade da ourivesaria

“A ourivesaria é o único sector que faz o ciclo perfeito na sustentabilidade”, em parte, isto é verdade, uma vez que existe um re-aproveitamento da matéria prima, mas “reduzir a sustentabilidade à matéria prima, é muito redutor” já dizia a Ana Silva da Tintex no último Meet The Maker. Por isso, vou-vos contar tudo o que descobri.

Usando as palavras da Mónica Seabra Mendes no último ciclo de conferências promovido pela AORP “quando falamos em sustentabilidade temos de falar em sustentabilidade económica”, mas nesta fórmula não podemos deixar de considerar também a sustentabilidade ambiental e social.

Ao contrário do que se diz, o sector da ourivesaria é um dos sectores mais (in)sustentáveis do mundo por causa da exploração mineira. Na cadeia de valor da ourivesaria temos de considerar 7 passos:

  1. materiais

  2. design

  3. produção

  4. logística

  5. packaging

  6. retalho

  7. upcycle

O passo que cria maior risco é o primeiro: a exploração mineira. Ao falar com Ana Costa (especialista em sustentabilidade), a mesma indicou-me que o impacto que a recolha da matéria prima tem no sector da ourivesaria, é muito superior à da têxtil, porque a exploração mineira tem mais impacto do que a recolha em campos de algodão. Não nos esqueçamos que o consumo do ouro é também muito usado na indústria da tecnologia, que está em grande crescimento. Vejamos, este primeiro passo considera 4 ações:

  • A Prospeção (que é o trabalho desenvolvido na determinação da localização)

  • O desenvolvimento de uma mina (que consiste em várias atividades principais: realizar um estudo de viabilidade, incluindo uma análise financeira para decidir se deve abandonar ou desenvolver a propriedade.)

  • A extração (é a remoção do minério do solo em larga escala por um ou mais dos três principais métodos: mineração de superfície, mineração subterrânea e in situ.)

  • O fecho de uma mina (que é a cessação da mineração naquele local.)

Durante muitos anos a exploração mineira foi feita sem grandes preocupações ambientais, e embora as coisas estejam a mudar, sabiam que anualmente são feitas cerca de 700 toneladas de químicos em descargas? que existe uma desflorestação em massa e que a produção liberta 40% de emissões?

Descobri também que a extração de ouro produz um volume enorme de desperdício e os químicos contaminam o solo, o ar e água. Li no livro “Sustainable Jewellery”, que 1 grama de ouro produz 20 kg de CO2 + 2500 Litros de água e produz 2500 Kg de desperdício. 1 grama de ouro é mais pequeno que uma ervilha. Entendem o impacto disto?

O impacto começa antes do desenvolvimento de uma mina e da extração, começa com a Prospeção, cujos riscos são altíssimos para a vida das pessoas, já para não falar das questões ambientais, vejam este vídeo lançado este ano pela organização Global Environment Facility https://www.youtube.com/watch?time_continue=114&v=_OAF_1BXWHE.

Outro caso interessante que encontrei no site da ONU, é que apesar da mineração ser uma atividade económica importante, principalmente para países de baixa e média renda, “quando feito de forma responsável, pode contribuir para o desenvolvimento sustentável de um país,“ mas infelizmente o maioria do lucro destas atividades não contribuem para o desenvolvimento destas pessoas, que para além de terem vidas miseráveis, ainda são sujeitas a situações de perigo devido à contaminação das águas e do solo. Segundo a ONU “A mineração de ouro é o setor que representa a maior fonte de emissões de mercúrio; cerca de 15 milhões de pessoas têm a sua saúde em risco, incluindo 600 mil crianças.”

Por isso, o que significa ser sustentável ? É desenvolvermos um negócio com proteção ambiental, sustentabilidade económica e social. Estes 3 eixos são fundamentais, no entanto, se nos debruçarmos sobre a sustentabilidade na ourivesaria temos de pensar na recolha dos metais, as gemas e sobre as minas. Oh Ya! aqui está o verdadeiro problema. Considerando tudo isto, como é que nos podemos proteger enquanto marca?

Se quisermos iniciar o processo para a sustentabilidade, mais do que nos focarmos nas matérias primas e na sua reutilização “eterna”, temos de entender de onde elas vêm? como é que são extraídas? e qual o impacto social e ambiental que elas têm para as pessoas e para o planeta?. Visitem a organização Ethical Metal Smith explica muito bem todo o processo.

Segundo a Ana, “um dos grandes problemas do sector é a questão ética”, uma vez que as matérias primas mais valiosas (e raras do mundo) encontram-se em lugares de conflito, tal como acontece com o petróleo. E na realidade, ao comprar um diamante ou um metal precioso, a questão da origem é (super) relevante. O consumidor final quer saber a origem, pois não quer financiar ditadores ou guerras. Estes materiais preciosos, são muitas vezes extraídos de “zonas de conflito”, questões altamente discutidas no sector da alta joalharia. Lembram-se do filme Diamantes de Sangue?

Relativamente à ourivesaria em Portugal descobri 2 coisas super interessantes:

1º Em Portugal só existe uma empresa certificada com políticas de responsabilidade e sustentabilidade ambiental — o Certificado RJC -  Responsible Jewellery Council.

Ao falar com uma refinaria, foi me dada a informação que as mesmas têm de estar registadas na Contrastaria da Casa da Moeda e ao importarem ouro para a União Europeia necessitam de dois certificados: certificado de origem e declaração criminal (do país). Apesar destes parâmetros elas não têm um reconhecimento internacional. Por isso, esta empresa, para seguir os protocolos internacionais necessários, compra metais preciosos em Portugal numa empresa internacional que garante a certificação dos metais preciosos e das pedras, considerando todas as proteções legais, sociais e ambientais em toda a cadeia de valor.

2º Embora os dados não estejam comprovados oficialmente, ao falar com várias pessoas do sector, indicaram-me que em Portugal 95% do ouro usado é ouro reciclado, o chamado “ouro verde”. Fátima Santos, secretária geral da AORP indicou inclusive que leu um estudo que indicava que já existia no mundo ouro suficiente, para a atividade económica existente, não sendo necessário extrair mais.

Enquanto marca, se quiserem começar um negócio sustentável, partilho perguntas importantes a fazer (de Fettolini):

  • Em que condições os meus fornecedores trabalham?

  • Que garantias tenho sobre as matérias primas e quais as suas origens?

  • Que soluções posso providenciar para garantir a segurança étnica e ambiental?

  • Estará a minha empresa acrescentar valor para um futuro melhor?

Numa economia circular, temos de considerar a forma como recolhemos a matéria prima e pensar na forma como a devolvemos ao planeta. No útimo Meet The Maker “Como vender sustentabilidade?” falamos sobre a importância da devolução dos corrosivos / químicos que já não têm uso e da dificuldade que os designers têm em os devolver ao planeta. Há todo um novo negócio a explorar acreditem! O facto do sector ser composto por micro-empresas e girar em torno de 1 a 2 pessoas no máximo, faz com que não exista “escala” para devolver os químicos através de um serviço especializado, que exige quantidades muito superiores. Por isso, não há empresas capazes para recolher esta matéria corrosiva, que muitas vezes é colocada na sanita que vai para as águas publicas. Isto é grave! No entanto novas soluções devem ser encontradas neste sentido e até através de ligações a outros sectores, mas vai demorar.

Sendo a Sustentabilidade uma inevitabilidade, muitas são as empresas que estão a promover este novo posicionamento, sem entenderem verdadeiramente o que isto quer dizer. Apesar de usarem a bandeira da sustentabilidade, a isto chama-se de “Green Washing”, que basicamente usa o marketing “Green”. É importante entendermos a verdade sobre a sustentabilidade e ativar uma estratégia sólida. Fettolini fala em 3 tipos de sustentabilidade estratégica:

  • A primeira foca mais a raíz o “design, raw materials, production and recycling”

  • A segunda foca mais a logística através do “packaging, shipping and installations”

  • A terceira foca mais as questões sociais, “social actions, donations.“

Todas elas válidas, mas têm de ser usadas corretamente. Certo? Apesar de a prata reciclada estar em voga, não podemos reduzir a sustentabilidade à matéria prima, e hoje o sector protege-nos com inúmeros certificações.

Certificações relevantes:

Organizações relevantes:

O curioso neste processo, foi que perguntei a inúmeras empresas: “De Onde vem o vosso ouro? “, a resposta de quase todos foi: “De um sítio seguro.”, “Mas como sabem que é seguro? “, “Eu confio nas pessoas, embora ninguém esteja preocupado com isso!”. Ana Silva da Tintex indicou que se desse esse tipo de respostas ao cliente seria “insuficiente”, por isso temos de “provar” com certificados.

Neste processo entendi que para termos um ciclo perfeito, só há uma forma, nós consumidores finais, exigirmos um olhar diferente sobre este sector. Pelo que tenho lido, o “blockchain”, poderá ser uma solução, uma vez que está a provar ser uma ferramenta útil em vários sectores, especialmente para a indústria de luxo. Esta tecnologia, permite criar um “passaporte digital” com uma transmissão segura, oferecendo uma resposta particularmente atraente ao longo do tempo, porque oferece uma maneira de autenticar e rastrear produtos em todo o ciclo de vida. O caminho passa pela transparência total ao longo da cadeia de fornecimento e produção. Li num artigo que com esta tecnologia o consumidor consegue ver questões como toxicidade do produto, trabalho forçado, crueldade contra animais, contaminação bacteriana. Vejam como funciona aqui blockchain.

A grande vantagem deste sector, “Ao contrário da Têxtil, é as pessoas apercebem-se do valor dos produtos. Há herança, há legado que passa de geração em geração.” Afirmou a Ana. Enquanto que o produto têxtil termina num aterro em fim de vida, as jóias têm associado a elas um valor simbólico / emocional que permite manter a “circularidade” da matéria prima, existindo uma valorização de recursos, por isso, não deixem de visitar a nova campanha da Associação da Ourivesaria — LEGACY.

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